agosto 15, 2005

The Lurker: Diário de uma Terra Estranha - Caderno XIX: Nighty, nighty...

Uma coisa interessante, after a fashion, é a 'anima' que parece estar regendo a lógica americana estes dias. Hmmm...lógica americana soa como contradição de termos? Algo como inteligência militar? Mas é. Todas as pessoas com quem conversei até agora acham que o presidente 'arbusto' é um néscio. São unânimes em sua incredulidade quanto ao fato do 'shrub' ter permanecido no poder e até sentem-se um tanto acabrunhados com isso. Deve ser porque Nova Iorque e Pensilvânia são blue states. Não obstante, os símbolos de patriotismo, que aqui ultrapassam o ufanismo, estão por toda parte e, para se entrar em uma série de lugares públicos têm-se que passar pelas fatídicas máquinas de raios-x. A neura come solta.

Quanto mais me lembro do processo de tomada de poder pelos nazistas em 32 na Alemanha, mais parecida eu acho a situação por aqui. Ou seja, o pessoal 'do contra' se manifesta pouco e os que mexem a sério tomam uma queimada grossa, como acaba de acontecer com um diretor e três altos executivos da ABC, por conta de documentos que, segundo o stablishment são falsos. Devem ser mesmo: falam mal do 'serviço militar' prestado (?) pelo 'shrub'.

Dediquei a manhã a algumas visitas necessárias e almocei num simpático café na esquina da 7th com a 57W. Acho que foi a primeira refeição convencional que realmente agadou-me, mas o prato era mexicano (quesadillas). Naturalmente eu andei comendo direitinho por aí, mas em restaurantes de gabarito, como o Tavern on the Green e a preços que valha-me-Nossa-Senhora. Apesar de altamente edible, o pico de galo e o sour cream que me fazem no Brasil é muito mais interessante. Gostei do negócio, mas devia ser a fome.

Na realidade, estava procurando o Carnegie Delicatessen que, segundo algumas conversas, era a bala que matou Kennedy em matéria de Deli. Fica, lógico, ao lado do Carnegie Hall. Não se deixe enganar pela aparência externa ordinária: o interior é mais ordinário ainda... Mas a comida é muito boa (FINALMENTE!). Experimente o sandwich de Pastrami 'home made' e depois me conte. A mesa que me deram (12) foi interessante para ficar viajando na arquitetura.

E o tempo, que vinha se comportando como um cavalheiro até agora, resolveu transformar-se em um rebelde sem causa. Começou a nevar de novo. Nada contra, antes pelo contrário.Mas que pelo menos seja neve decente e não estes flurries que derretem tão rápido e me encharcam a cabeça. O tempo ruim estragou minhas andanças de um lado para outro da ilha e corri para o hotel às 18h00, antes do previsto, portanto.

Felizmente o Birdland fica a menos de uma quadra do hotel. Então, foi o tempo de dar uma aquecida e tomar um banho rápido, antes de cair na noite! Os flurreis viraram uma chuva gelada e fina, mas correndo do Plaza passei quase incólume. Pedi para ser sentado (ui!) fazendo graça para a atendente, ganhei um sorriso e um lugar na fila do gargarejo... Hmmm... acho que agradei as batatinhas, como diria o comercial. O ambiente continua o mesmo de dez anos atrás: iluminação focada e direta sobre as mesas, para o palco e mais nada. Aqui o Jazz e o Blues são tratados com o respeito da música clássica e sempre são grandes intérpretes que se apresentam. Os instrumentos sempre são acústicos e o tratamento técnico é impecável. Antes da primeira apresentação, pedi meu Wodka Martini (shaken, not stirred) que aqui é excepcional.

A seleção da noite começou muito bem, conduzida por Joe Muranyi , clarinetista que tocou com Louis Armstrong e que agora é responsável pela The Duke Ellington Orchestra. Começamos a conversar no intervalo e, descobrindo minha nacionalidade (but I can't quite place your accent) revelou seu interesse pelo 'old fashioned brazilian Carnaval' (surpresa!) - enquanto expressão musical, bem entendido. Do alto de seus setenta e sete anos ia, ao concluir o show no Birdland, para outro show na 6th and 22nd. Isso é que é disposição. Tomamos mais um Martini e acabei por adquirir-lhe um CD, devidamente autografado com um 'all the best'. Fiquei todo prosa.

Para quem ficou curioso com a performance do primeiro ato, segue a lista:

1) Charleston (Louis Armstrong);
2) Tenderly (Billy Holliday);
3) Deeper Mouth Blues (Louis Armstrong);
4) I can't believe that you?re in love with me (J. McKew & D. Fields);
5) We're singing that music (Louis Armstrong, 1936);
6) Every Thursday (Duke Ellington).

Intermission

7) A Train (Louis Armstrong - medley);
8) Sloppy Joe (Benny Powell);
9) Shakespeare suite (Duke Ellington);
10) It don?t mean a thing (Louis Armstrong).

Apenas para registro: Deeper Mouth era um dos apelidos de Louis Armstrong. Daí o nome da música # 3.


Seguiram-se mais dois martinis e um Oreo Mudpie Cake para matar de inveja os amantes do chocolate. Decidi ficar para a segunda apresentação da noite, que era de uma 'jazz band' completa com seus vinte e tantos instrumentistas. Infelizmente, meu estado etílico não permite que as notas que fiz no resto da noite sejam de grande valia... a não ser que o Chico Xavier faça as honras e psicografe. Mas foi das melhores apresentações que já vi. Então, deixo à imaginação do leitor o final da noite de Jazz e blues em NY. Às duas da manhã, enquanto me arrastava, coberto de flurries, de volta ao hotel, novamente agradeci o fato do Plaza ser tão próximo do Birdland... :-)


The Lurker says: Only the guy who isn't rowing has time to rock the boat. (Jean-Paul Sartre)
A seguir o caderno XX (O sagrado e o profano)

agosto 14, 2005

The Lurker: Diário de uma Terra Estranha - Caderno XII: Surprise, it´s me again!

Recebi a segunda-feira de extremo bom humor... O frio continuava, sem neve agora, com céu claro e, com a cidade a meus pés, vamos ao que realmente interessava: trabalhar na tese. Em 1997, quando estava ainda às voltas com o mestrado fiz uma viagem com a idéia de dar uma espairecida e cujos frutos mais interessantes e efeitos perduram até hoje. Ocorre que, então, ao invés de re-fazer os diversos programas de índio disponíveis (Liberty Island, Empire State and the like) fui enfiar-me na NYPL, NYU, Columbia, CUNY e nas centenas de livrarias que enchem o Village. O pessoal que acompanhava minhs andanças não entendia nada: 'porque este não vai ao Bloomies?'. Bem, basicamente porque prefiro as Galeries Laffayete ou o El Corte Inglés. Mas isto é outra história.

Iniciei com uma andada brutal, da 42 até a B&N na 22nd com Lexington. Foi um pequeno erro de cálculo (de 20 quadras?): eu esperava encontrar uma estação do metrô em uma determinada esquina ? mas errei o lado da avenida. Como não encontrei a entrada, continuei andando... Nova Iorque faz isso comigo. Fico de tal forma absorvido com a diversidade de tipos humanos, de informação visual que, quando paro e olho o relógio já se foram várias quadras. Aí perco a vontade de enfiar-me debaixo da terra e prossigo.

A B&N da Lexington tem uma seção muito interessante sobre os temas que me interessam e, principalmente, no que tange aos livros textos, revende aqueles usados e bem cuidados por universitários. Os preços podem ser da ordem de 55% do preço de capa. Não é um negócio a ser perdido. Foram cerca de três horas de deleite acadêmico, escolhendo e desescolhendo uma infinidade de autores. Foram mais de US$ 300,00 em livros (o dólar estava a R$ 3,20, lembrem-se). O interessante é que, como pude provar minha residência no Brasil, tive um 'detax' de 5%. Pena que não aceitaram minha carteira da UnB como prova de ser estudante, pois aí o corte subia para simpáticos 15%... Pitty.

Você não tem a impressão, quando conhece o trabalho de alguém e lê uma publicação, que essa pessoa é um 'amigo' que está lhe contando uma história? Enquanto me perdia nos livros e sua ordenação cronológica, as evolução das idéias ia fazendo sentido em minha cabeça... e foi mágico. Recentemente tive um momento destes em uma conversa com um famoso pesquisador da área de multiculturalismo e diversidade chamado Gert Hofstede, um dos papas de seu campo. Mas isso também é para contar outra hora.

Já que estava animado para andar, agora, contudo, com diversos quilos de livros para carregar, segui descendo na direção de downtown para resolver uma solicitação de produtos de pintura na região de China Town. Não, não é minha parte favorita da cidade, exceto por uma loja de 'army surplus' em que nunca entrei, apesar de ter passado na frente uma dezena de vezes. E lá fui eu, rumo a Pearl e Canal Street. Nova Iorque é uma cidade padrão americana, com blocos e quadras muito bem dimensionados. Exceto justamente nesta região, que começa na altura do Financial district e desce até Battery Park. Basicamente este é o ponto em que a cidade começou, então a desorganização das ruas é mais interessante. Parece uma cidade dentro de outra.

A meio caminho comecei a ficar meio tenso, incomodado e chegando em Lincoln Square ( foto) dei por falta delas. Na medida que descia, a ausência se fazia cada vez mais pesada... Não que eu realmente tivesse alguma apreciação pelos dois monólitos de aço e concreto, mas a presença era algo, como direi, opressivo. Eram edifícios enormes e tome andar para se aproximar, mas elas não chegavam mais perto por causa disso. O fato de ter visitado a cidade cerca de seis meses antes do 9/11 não ajudava muito e, justamente tinha sido esta a ocasião em que havia conhecido Linda Rubey e Dick Dulancy que moravam perto da zona proibida, abaixo da 13th. Agora, era estranho... Pensei bem.... Não fui ao ground zero.

Uma pequena tontura lembrou-me que eram 13h00 e eu não tinha sequer tomado café. Starbucks para todos! Vamos pegar um Colombian Black com raspberrie muffins. Açúcar e cafeína. A expressão da cultura local. Como digo, quando em Roma, vira-se canibal.

Resolvidos os entraves na Pearl, metrô rápido de volta ao hotel e corrida sem parar para pegar a Biblioteca da Columbia aberta. Sucesso! Mais três horas de 'book-worming'! Centenas de autores! Discussão interessante com um professor incauto que resolveu conversar a cultura da América Latina... Mais um que sabia que a capital brasileira NÃO é B.A.... Eles estão progredindo. Já às 17h30 meus ingressos baratinhos (lá no ninho da coruja) para o Phantom tinham deviam ter sido deixados na Consiergerie, conforme eu havia instruído. Bem, vou poupar a descrição da 'longest play on Broadway' por dois motivos. Primeiro porque tem gente que faz isso muito melhor do que eu e segundo porque, certamente, está na lista de 'musts' de quem vai à Big Apple. Vá e veja é o meu conselho. Uma pena que o Les Miz tenha saído de cartaz: Cameron MacIntosh foi um hit astronômico. Apenas que foi uma apresentação sem falhas (mas sem surpresas nesta terceira vez). Pelo menos pude cantar lá de cima, junto com a japonesada que estava por perto... :-)

Enfim, um dia perfeito, mas cansativo after a fashion, tinha que terminar com meu amigo 'Ol' Blue Eyes'...

How About You?
Writer(s): B. Lane/R. Freed
Performer: Frank Sinatra

I like New York in June, how about you?
I like a Gershwin tune, how about you?
I love a fireside when a storm is due
.
How about you?
I like potato chips, moonlight motor trips, how about you?
I'm mad about good books, can't get my fill
And James Durante's looks give me a thrill
Holding hands in the movie show, when all the lights are low
May not be new, but I like it, how about you?

The Lurker says: Three o'clock is always too late or too early for anything you want to do. (Jean-Paul Sartre)
A seguir o caderno XIX (Nighty, nighty?)